Não quero criar uma impressão não conforme com o tipo de pessoa que quero parecer ser. Esta ousadia de manter um sítio (1) para revelar as minhas visitas a jardins por esse mundo adiante pode induzir a ideia, de facto muito fora da verdade, de que sou um viajante compulsivo. Pelo contrário, não sou muito de saídas. 

Para mim, viajar é uma maçada. Ter que andar na autoestrada para ir a uma cidade perto, ter que suportar as esperas no aeroporto e o desagrado dos voos, é uma grandessíssima maçada. Para mim, pernoitar fora é um incómodo: por melhor que seja a residência ou o hotel, falta-me o conforto do colchão e das almofadas que, ao longo de anos, se me moldaram ao corpo, que fazem de certo modo parte dele, falta-me o reconhecimento automático dos lugares que albergam as pequenas comodidades do dia a dia, uma roupa adequada, um artigo de de higiene, ou qualquer coisa para trincar ou bebericar. Para mim, apequenar-me fazendo-me entender numa terra de outros por gestos e grunhidos, assassinando línguas que não são minhas, ficar na frequente incerteza de que fui razoavelmente compreendido, é uma tortura moral.

Prefiro pois ficar em casa, apoderar-me do lugar habitual, fixar raízes. Os meus instintos mais profundos e mais intensos são vegetais, o meu ser é da essência das árvores, com raízes profundas, com um tronco sólido e com ramos e folhagem projectados para a luz, fabricando as minhas próprias energias, e intertecendo sensuais carícias de néctares e pólens com insectos e aves.

Há alturas em que me metamorfoseio em animal e parto, exploro outros lugares, atravesso selvas urbanas povoadas de bestialidade, e, vergado pela fadiga dos aeroportos e pelo tédio dos hotéis, reconheço as minhas tendências, caio em mim e regresso. Chegado a casa, ao meu sítio, esfarelo a terra entre os dedos, cheiro o seu odor e sonho com a fusão final.

Sonho ser árvore, estender as minhas raízes para as entrelaçar com as raízes de outras árvores numa teia maior do que continentes cercando o mundo.

A procura do graal é para os imbecis dos metafísicos, como são quase todas as procuras. Nestes dois dias que são a vida cheiro o odor das rosas e acaricío o acetinado das suas pétalas antes de fenecerem. E isso é tudo o que um ser vivo precisa.

 

 

(1) Este postal foi publicado inicialmente no sítio Visitas a Jardins e transferido para aqui em 2019-10-09 durante o processo de fusão dos dois sítios.

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