Na desconsideração que os florestinos têm pelos arborinos sobressai arrogância e uma elevada consideração que aqueles têm por si mesmos. Consideram-se exemplares típicos do género humano. Digo género, e não espécie, para ir ao encontro da sua aspiração à generalização e à abstracção, sabendo, embora, que generalizações e abstracções não digam respeito a qualquer coisa de real. Mas eles gostam dessa vida de faz de conta: sendo a floresta a solução para o problema das árvores, rapidamente passam de uma floresta para outra no meio de muito champanhe e alarido pois a vida é breve e o que é importante é deitar os problemas para debaixo do tapete e curtir.

 

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A floresta para um arborino é o lugar onde ele prefere viver e relacionar-se com as árvores, ou melhor com cada árvore. O florestino vive e gosta de viver na grande urbe, onde as árvores se confundem com os postes de iluminação pública e a floresta é uma mancha fugidia que se vê de raspão nas autoestradas que lhe rasgam o ventre. O arborino é atípico, divergente e, aos olhos de muitos florestinos, parece excêntrico. O florestino é típico, o exemplar da espécie, embora haja uns típicos que são mais típicos do que os outros. O florestino acredita que típicos e atípicos são um género único - a humanidade. Pelo contrário, os arborinos preferem pensar que são espécies distintas e que cada espécie comporta um sem número de variedades, múltiplas humanidades constituídas por seres humanos de carne e osso. O florestino acredita que tem no seu cérebro uma teoria do outro e que, por via disso, possui a capacidade de entrar na cabeça do outro. Mas não consegue entrar na cabeça de um arborino que tende a considerar uma anormalidade. O florestino joga com as palavras e usa-as para o engôdo e o logro. O arborino suavisa a percepção da realidade.

 

Diz-nos a ciência que o género Homo não é constituído exclusivamente, ao longo do processo evolucionário, pela espécie Homo sapiens ou homem moderno. Embora desaparecidos, coexistiram com o sapiens, os Denisovanos e os Neanderthais, entre outros. Sabe-se também que houve interações entre estes e os sapiens de que resultaram cruzamentos e hibridações a tal ponto que ainda subsistem genes neanderthais no genoma do homem moderno. Mas, o meu ponto não é esse. A actual espécie humana não é una, mistura dentro de si duas linhagens com marcantes diferenças genéricas capazes de promover desenvolvimentos cerebrais e, consequentemente, cognitivos, sensoriais e emocionais divergentes. E essas linhagens são o sapiens subsp. arborino e o sapiens subsp. florestino.

Ora, alinhando com a linguagem dos florestinos, poder-se-á falar do transtorno do espectro arborino e do transtorno do espectro florestino. Talvez assim, não a humanidade, mas os seres humanos se entendessem melhor e a vida fosse menos trágica (os bodes que me desculpem se acharem que não são para aqui chamados).

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