A máquina estremece, esperneia, dentro da frágil urna de carne e ossos. Ouvem-se os seus batimentos, descompassados do tic-tac do relógio barato a pilhas. Ansiedade, do verbo latino ”augere “, estreitar. É um aperto do Eu, um estreito que a frágil embarcação teme transpor.

Eu sou árvore, de quem as aves são íntimas. Adoro ouvir as aves a tagarelarem nos meus ramos. Adoro ouvir os sons de outros continentes trazidos pelo ventos. Mas adoro, mais do que tudo, aprofundar as minhas raízes solo adentro e tagarelar com outras raízes que vou encontrando na minha peregrinação subterrânea, como no encontro e afago dos pés dos amantes por debaixo dos lençóis. Sou árvore, e no meu ser não existe qualquer vontade de me desprender e de esvoaçar acima do solo. Apenas basta estirar-me ao sol e absorver a luz.

O mundo não é um espaço continuo. A nossa presença é uma fissura entre o mundo que foi e o mundo que está para vir. E é quando essa fissura se estreita, e sentimos o aperto entre o passado e o devir, que se instala a ansiedade. Esmaga-nos a dor de sentir o futuro tão próximo do passado.

É assim com as viagens: o tempo de preparação é infindo, gastamos-nos todos no que está para vir. Depois, na hora, vai tudo de empurrão, à revelia dos planos, como a entrada para a carruagem do metro em hora de ponta.

Lá em cima nos ares que se afastam do oceano, o chão é o piso de um minúsculo planeta interior e somos depositados num lugar confinado. O aperto no espaço dilata o tempo, é uma hérnia discal a comprimir o nervo do tempo.

À chegada é o estreitamento das filas e o esmagamento e a paranóia das fronteiras. É a doença do cérebro humano isto de a tudo impor fronteiras. O tempo das tribos retorna com frequência e traz consigo o cortejo de guerras e religiões, chefes adorados e ódios de estimação. Na há outra coisa a fazer senão viver com isso: é assim o cérebro animal, multinivel, hierarquizado e autocrático. As árvores, que não andam de cabeça no ar, têm um cérebro profundo, enraizado, horizontal, entrelaçado com todos os outros cérebros da floresta em comunhão profundamente democrática.

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Chegar, na viagem, não é tudo. É a angústia de pensar que toda a viagem tem o retorno. E nesse retorno volta a repetição do mesmo. Após o regresso, o espaço fecha-se, então, à nossa volta suturando o vazio do desenraizamento. E o mundo transforma- se outra vez em floresta. E brota, uns tempos depois, a saudade da viagem quando retornam as aves migradoras e se instalam a tagarelar nos ramos.

 

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