71 é o meu número mágico de hoje. É uma bela soma, dir-me-ão. Bela, sim; mas soma, acham? E, antes, uma subtracção.
Enchi-me de coragem e decidi sair da minha mata, no bairro, e ir para uma quinta na lezíria. Fiz a mala, peguei na Graça e vim passar duas noites a este belo hotel com vacas, cavalos, burros, cabras, ovelhas e porcos.
Vista daqui, a Terra é imensa e plana. Aqui, andam na apanha da batata; lá, o milho cobre a paisagem de um verde intensamente vegetal. Mais perto, em leiras de terreno arenoso, protegidas por plásticos pretos, espreitam tomateiros com as suas ridículas flores amarelas, a rama densa das cenouras, as folhas farfalhudas dos feijoeiros, beringelas assentam barrigas cerúleas reluzentes na insignificância do plástico, os morangueiras deitam frutos carmim para sul e flores brancas para o norte - vá-se lá saber porquê, aboborinhas, grandes couves-repolho, couves-coração e couves-lombarda, separadas a intervalos regulares por laranjeiras e pereiras.
Ontem, sob o manto refrescante das densas nuvens, rescendia um bafo tépido de ar. Depois de uma banhoca frugal na piscina da quinta, tirámos fotografias e fomos dar uma volta por Alpiarça e Almeirim.
Jantámos na cozinha do apartamento uma salada ricamente improvisada regada a Gância prosecco. Nada direi, nem duma, nem doutro, que manjares divinos não se descrevem por palavras. Só eles se descrevem a si próprios. O almoço foi uma pequena variante em torno do cristalino espumoso que restara. Não sei que bendita sonolência me deu que me pôs aqui a escrever a soluços, com a escrita intervalada por ligeirezas oníricas destacadas, provavelmente, a roncos multissonoros.
A Mia, a gata da casa, também ali dorme à nossa porta escarrapachada nas alturas do mobiliário do pátio.
À noite, o jantar será no restaurante recomendado, daqueles ciciados junto ao lóbulo da orelha porque longe dos roteiros turísticos. E para que longe se mantenham.
Amanhã, será dia de começar a aproveitar a nova anuidade fruindo ao máximo de tudo a que tiver direito.