Se atentar ao facto de ter estado, ao longo deste ano, mais dias em Boston do que em Lisboa, isso mostra bem a vontade que tenho de sair do meu cantinho nas terras de Santarém. Não que não tenha vontade de sair, de vir ao encontro das pessoas que amo, de partilhar as suas vidas. O problema é ter uma personalidade do tipo da das árvores, que gostam de assentar raízes no solo, que não têm vontade nem capacidade para se deslocarem para outras geografias.

Vistas as coisas de uma perspectiva pública, isto é, vendo-me como um ele, diria que ele é uma pessoa sorumbática e associal, um misantropo. Nos tempos que correm, produto da evolução mecanicista e funcionalista do cartesianismo, este tipo de asserções colhe escassa aceitação. Sendo a pessoa um ser digital, mais uma virtus "cogitans" do que uma res cogitans, só tem que estar ligada digitalmente aos membros da sua comunidade digital, abandonando a carcaça extensa num sofá, ou face a uma consola, e vivendo intensamente num destes novos continentes à deriva chamados youtube, facebook, instagram, skype, whatsapp, twiter, linkedin e sei lá que mais, ou fazendo colectivamente incursões dum para outro em grandes vagas migratórias.

O que não é o meu caso: gosto pouco ou nada de redes digitais e vivo no mundo rural real onde a internet é uma piada grotesca escrita na facturas da minha companhia de telecomunicações. Electricidade também não há por lá quando chove, mas vale a pena andar por casa à noite com a luz do telemóvel, que este para pouco mais serve e a chuva é lá precisa.

As maleitas são manifestações da gravidade que atrai o corpo para a terra e que o planta no solo. As raízes crescem em todas as direcções e vão à procura de outras raízes para estabelecerem uma verdadeira comunidade florestal. As redes de raízes e fungos que se entretecem, como neurónios ou astrocitos do subsolo, são a grande teia por onde circula seiva e informação real, química, que é a natureza de toda a emoção animal. E tudo se faz um.

Agora, estou para aqui na minha cama de Lisboa, sem grande queda para adormecer e a ouvir a chuvada wagneriana que se abateu sobre a janela do meu quarto. É uma chuva apressada, citadina, carregada de estresse.

Adormeci e acordei com a luz da rua.

Voltei a adormecer e a acordar com a luz do dia. O céu estava descoberto e ouvia-se o pingar monótono, entediante, das gotas dos beirados. 

Peguei novamente no iPad e no lápis electrónico para acabar estas notas.

20191201 Telh

 

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