Acordei, não com a chuva como fantasiara, mas com as árvores a pingarem. Fui lá fora a respirar o ar fresco e perfumado da manhã. Ainda estava escuro e as estrelas brilhavam clara e distintamente no céu. Alguns galos mais

madrugadores cantavam. Ouvia-se os sons e os cheiros do planeta a acordar.

Voltei para dentro, o meu ritmo era diferente. Eu não tinha manhãs nem noites: Tinha-me reformado. Por isso, tinha períodos de estar a dormir e períodos de estar acordado. O quarto tinha o cheiro fedorento de um estábulo humano e agoniava-me o odor a humanidade. Ficou a porta meio aberta a dar passagem, para fora, ao ar morno e insalubre e, para dentro, ao ar revigorante da madrugada. Senti a necessidade de arrefecer o corpo e o ambiente, completamente obcecado com o mistério de me deitar enregelado à noite e acordar de madrugada afogado em calores infernais. Atribuía isso ao inferno da vida interior que me é inacessível quando acordado. Interior é uma maneira imprópria de falar, interior sou eu e tudo o resto me é exterior: seja os mistérios que estão entranhados no âmago da opaca matéria cósmica; seja os mistérios que ocorrem na maquinaria do meu cérebro. Chamar-lhes mistérios é o mesmo que chamar-lhes coisas reais ou exteriores. São o que são, eles estão lá e, se procurarmos, acharemos que têm uma razão. Só eu é que não sou real, só eu é que estou dentro de mim, só eu é que não tenho razão de ser, só eu é que não tenho mistério. Sou uma espécie de forro dos lugares em que vivo e acontece ter períodos de estar acordado e outros de estar a dormir a descansar de mim.

 

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