Sulcos profundos, vincos, rugas, excesso de flacidez, perda de tónus, com a idade tudo isto pode acontecer a um site. Então, não há outro remédio senão um lifting facial.
Foi o caso do sítio do Tremontelo que, após a fusão e reorganização de vários sites de galáxias e eras geológicas distanciadas, apareceu bem arrumadinho mas com um lettering polifónico, uma paleta de cores a roçar o balde de água de lavar pincéis, uma galeria de imagens a arremedar o acervo de fotografias e capas de revistas como ainda se encontram em alguns baús dos pais ou sogros. Acredito que nestas coisas de imagem, o melhor é ter raras imagens. Pois, se uma imagem vale mil palavras, mil imagens valem três: " que grande merda!".
Tudo isto aconteceu no meio de uma grande pandemia e no decurso de um estranho confinamento.
Não se pense que me fechei e, sem nada de melhor para fazer, passei o tempo todo a retocar o site. Nem foi este nem aquele o caso. Não me isolei nem fechei, porque já vivo isolado e o ar livre.
Primeiro, passei a estar menos isolado desde que a Graça decidiu vir confinar-se para aqui. A sua imagem passou a fazer diariamente sombra à imagem dos gatos, e a sua voz à cantoria da passarada, sem precisar de abrir as portadas ao levantar. É nestas alturas que percebemos que duas pessoas fazem uma multidão e que o número de interacções diárias roçam o infinito impondo limites à resiliência física e mental. A atenção desconcentra-se, os interesses dissolvem-se na apatia, multiplicam-se os tempos mortos e os processos convertem-se em gestos ineficazes. É como os estados de namoro, de encarceramento ou de hospitalização, em que a mente deixa de reflectir e voga ao sabor das ondas entre as portentosas vagas do parkinsonismo mental e a lassidão das praias arenosas da catatonia da consciência.
Depois, pouco a pouco a Graça vai-me roubando a actividade: começo a fazer menos máquinas e a lavar menos vezes a roupa, de a estender e de a apanhar, a fazer menos almoços, de os preparar, por a mesa e lavar a loiça, de fazer a cama. Estas pequenas coisas são uma iniciação à inactividade, a mais filmes e séries de televisão, a mais recolha de notícias, a mais chafurdagem e refocilação nas redes sociais.
Ir para o computador passou a ser uma fuga: arrumar ficheiros em directorias, directorias em discos, discos em dispositivos fixos e móveis ou em núvens; afinar meios técnicos de computação e rede de comunicações, sistemas e aplicativos; procurar documentação para ler quando tiver tempo (que piada!); fazer consultoria de informática de utilizador para o trabalho da Graça; bater-me com a rarefação do sinal de internet.
Uma decisão de monta, para melhorar o meu estado depressivo de saúde foi o meu afastamento das redes sociais, cujas contas fechei, à excepção do FB em que mantenho uma página ligada a este site. Houve para aí uma pandemia, ao que consta, que assustou muita gente. Mas essa gente assim tão assustada não se assustou com a verdadeira epidemia que grassa nas redes sociais, que é de estupidez, e que infecta rapidamente matando de seguida os intelectos e deixando os seus suportes na condição de mortos-vivos. Foi assim que vi o triste fim de muitos amigos e outros equiparados.
Lá fora, no mundo, os naufragos acodem ao chamamento das sereias do populismo. Cresce o ódio e a violência. Deus irrompe novamente corroendo a moralidade, o respeito e a solidariedade humanas, alimentando a elite dos super-ricos e aviltando os super-pobres. E não é nas religiões convencionais que se manifesta, que estas já andam em silêncio a assobiar e a olhar para o lado. Deus manifesta-se, como sempre, na Palavra, nas narrativas em movimento que levam a humanidade ao holocausto, como cordeiros ao matadouro.
Dentro de dias faço 72. São muitos. Percebo que já tenho pouco futuro para lidar com a imensidão do meu passado. Opto pelo presente. E pela presença da Graça. E com o pensamento nos meus filhos e de alguns poucos amigos e familiares que me são caros. É nesta presença que me confino. E todos os dias mergulho na floresta e fico por instantes mergulhado na infinidade do real.