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Em matéria de religião, os celtas do tempo de Júlio eram profundamente liberais. Politeístas até dizer "chega" tinham um deus ou uma deusa para dar cobertura a um qualquer detalhe da vida social e da experiência humana. Os romanos, coitados, que sempre esperavam encontrar uma equivalência entre deuses dos povos romanizados e os seus próprios, passavam-se.
A relação quase geométrica entre o Olimpo helénico e o latino prenunciava a realidade, jazente sob uma diversidade cultural e dialectal, de uma religião universal à volta do mar mediterrâneo. Cada nova descoberta batia tão certa como a descoberta de um novo elemento transurânico para uma célula a descoberto na tabela de Mendeleief. Os celtas não: tinham deuses a mais, deuses não se sabe para quê, e o seu inventário parecia inesgotável pois, todos os dias, aparecia uma caterva deles, novíssimos em folha.
Não admira que o povo, assim que o cristianismo se apoderou do mundo mental preparado pela civilização celta, tenha aderido e colocado na fila da frente do panteão da nova religião a legião dos santos, anjos e arcanjos, protectores disto e daquilo, e diversos para cada dia do calendário.
Na nossa terra, três tiveram um destino invulgar: João, António e Pedro, os santos populares festejados no período do ano em que decorreriam as festividades de Litha, o solstício do Verão, em que a força vital do astro-rei é representado nas fogueiras.
Por muito que a avidez pela santaria, tão romana-católica, se exercesse a inventariar santos para dar cobertura a este protectorado polifuncionalista, nenhum número finito de santos bastou para saciar a fome dos espíritos pagãos convertidos à religião da cruz. O calendário deveria suportar, sempre, a introdução de novos santos.
Foi encontrada uma solução elegante: Samhuinn era uma janela entreaberta para o mundo do não tempo. Passando por esse portal acedia-se ao mundo das sombras, universo paralelo onde residiam as almas passadas, os deuses, os heróis e os entes feéricos. Tal figuração da realidade sobrenatural não convinha de modo algum ao mundo gótico-romano que converteu essa passagem por outros mundos pagãos numa peregrinação pelos lugares do sobrenatural cristão: em descida aos infernos, subida ao ceú e passagem pelo purgatório. Festa das bruxas, Todos-os-Santos e dia dos mortos comuns.
Todos-os-Santos, todos-os-deuses. O infinito num instante que é a eternidade, limite do ser e do não-ser, interface do mundano e do sagrado, síntese da vida e da morte.
Eu, como muita gente que de certeza não me é aparentada, trago Santos no meu nome. Se os espanhóis celebram o seu santo como nós celebramos os nossos aniversários, muita gente medieval celebrou o seu santo no primeiro de Novembro... como os nascidos a vinte e nove de Fevereiro celebram a maior parte dos seus aniversários no primeiro de Março!
Religião e sexo estão profundamente associados a comida. Há, portanto, que investigar preceitos culinários associados às festas pagãs e que, segundo a minha hipótese, perduram na actualidade no culto popular dos santos.
Parece que o presunto e o toucinho são invenções celtas. Bem, os rapazes não brincavam em serviço. E se escarafuncharmos um pouco na história, ainda vamos descobrir quem foi o inventor do leitão "à Bairrada".
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