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- Parece-me que me contaste a tua história de uma maneira completamente baralhada. Tenho uma amiga, uma boneca que apareceu agora vinda de Lisboa, já te falei nela? Bom, anda a pôr a cabeça de toda a gente à roda.
- Então, é a tua cabeça que está baralhada ou é a minha?
- Continuando. É daquelas felinas que andam sempre coladas aos humanos, com o pelo sempre escovado e a cheirar a essências florais. Acho que irias gostar de conhecer a humana dela. É... é...
- Imagino: uma boazona!
- Se calhar é isso. Para a tua espécie parece um bom pedaço de fêmea. As duas andam sempre muito agarradinhas uma à outra, a contarem segredinhos e a comentar a respeito de tudo. Parece-me que a humana já lhe contou essa história do Natal e não da maneira como tu me contaste.
- Quê! Falou-lhe do nascimento do menino Jesus?
- É isso, é isso mesmo! Já conheceste a fêmea humana? Falaste com ela?
- Não, por que havia de ter falado?
- Como sabes desse... desse Jesus, não é?
- Ora, qualquer cria humana já ouviu falar do menino Jesus e do Pai Natal.
- Esse é o pai do menino Jesus?
- Não. E não tem nada a ver. São duas histórias completamente diferentes que têm apenas um ponto em comum. Tanto um como o outro oferecem prendas aos meninos e às meninas no dia de Natal. Mas esquece o Pai Natal. Podemos falar nele noutra altura.
-Está bem! Fala no teu menino.
- Ora, prepara-te para ouvir. Vou contar-te a história de Jesus, que foi considerado por um grupo de judeus heterodoxos, e depois por todo o mundo romano, como o Messias, o mediador entre o deus e os homens. É uma história com dois mil anos, e está descrita em cerca de uma dezena de livros chamados os Evangelhos. Tudo começa quando o espírito de deus apareceu na forma de uma pomba a Maria, uma judia da cidade de Nazaré que era virgem, e lhe anunciou que ia ser mãe do salvador da humanidade. Quando chegou a altura do parto, Maria e o seu esposo José encontravam-se de viagem para Jerusalém para aí se recensearem dando cumprimento a um édito imperial. A cidade estava a fervilhar de gente e não havia vagas nos hotéis e hospedarias. O parto deu-se à pressa e improvisadamente num estábulo edificado no interior de uma gruta em Belém.
- Que história tão mal engendrada. Essa é a história que me contaste esta manhã, lá do tal Mithra.
- É muito parecida, não é?
- Pois! Mediador, filho do deus e de uma virgem, nasce numa gruta, aposto que nasceu no dia 25 de Dezembro como o outro!
- Sim e não.
- Muito gostas tu desses àpartes. Em que ficamos: sim ou não?
- Sim e não, como já te disse. Tudo aponta para que tenha nascido a 6 de Janeiro. Mas no ano 353, o Papa Libério deslocou a data para o dia 25 de Dezembro justamente para obscurecer as comemorações do nascimento do Sol dos pagãos, ou de Mithra, se quiseres.
- Que história engraçada. Vocês humanos gostam de inventar muitas histórias diferentes para contar sempre o mesmo. Essa trapalhada com as datas é mesmo gira.
- Então não é? Imagina que no Egipto prestou-se culto a Osiris que teria nascido no 361º dia do ano, ou seja em 27 de Dezembro. Tal como Mithra, Osiris andou a viajar por esse mundo fora e quando regressou ensinou aos homens as artes civis e revelou-lhes a descoberta do trigo e o vinho.
- Então o que é que aconteceu ao tal Jesus?
- Teve uma vida deveras atribulada. Logo nos primeiros dias de vida, os pais tiveram que fugir com ele para o Egipto porque o Herodes, o rei judeu mandou matar todos os miudos nascidos naqueles dias.
- Grande velhaco! O homem era chanfrado!
- Tinha era uma paranóia de todo o tamanho. Haviam passado por lá uns magos que vinham atrás de uma estrela nova cujo aparecimento anunciava o nascimento do rei dos reis...
- Lá foste tu buscar os magos à história do Mithra. Mas não lhe aconteceu nada, pois não?
- Pouco se sabe da sua infância e juventude. Em adulto parece ter-se juntado aos essénios, uma seita rival dos fariseus e dos saduceus, que pregavam doutrinas pouco alinhadas com a tradição.
- Um radical, está-se mesmo a ver.
- O que lhe fez custar a vida. Os judeus tradicionalistas armaram-lhe uma cilada e ele acabou por morrer pregado numa cruz.
- E assim acabou a história de mais um revolucionário.
- Não precisamente assim. Depois de morto e sepultado, expiou os pecados da humanidade, ressuscitou ao terceiro dia e elevou-se aos céus onde está sentado à direita do pai e rodeado dos seus doze apóstolos.
- Ahahah. Tu és um grande humorista. Não vês que te baralhaste todo e contaste outra vez a história de Mithra?
- Vejo que não percebeste, gato tonto. Esta é a história de Mithra, é a história de Osiris, é a história dos gregos Apolo e Donísio, do romano Hércules, de Adónis e Atis, da Síria e da Frígia, de Baal e Astarte, da Babilónia e de Cartago, de Jesus da Galileia, é a história dos deuses solares de todo o mundo mediterrânico.
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