Conversas com gatos (II)

in O Tremontelo

30 de junho de 2006

posted by Perdido@22:58

 

- Ouve lá, ó humano, que história é essa de andares a pôr lampadinhas nas árvores? Não te chegam as que tens penduradas na parede à volta da casa?

 - Então ... é Natal

- Natal! Cá para mim, isso é só um nome.
- E depois?
- Ah! Tem a ver com a vossa de mania de responderem com palavras, com nomes, quando se vos pergunta alguma coisa.
- Bem, Natal não é uma palavra qualquer. Vê só: quer dizer dia do nascimento; refere-se à comemoração de um nascimento.
- Então, a tua fêmea pariu uma ninhada de crias... E não dizias nada?
- Não é nada disso, animal desmiolado, já não tenho idade para me meter nessas aventuras. O dia de Natal celebra-se todos os anos em muitos países, por volta do solstício do Inverno, e celebra o nascimento de alguém há uns milhares de anos atrás.
- Deve ter sido pessoa importante para continuarem a lembrar-se. Era da tua família?
- Não. Na verdade, nem se sabe se foi uma, se foram muitas pessoas ou, porventura, ninguém quem teria nascido nesse dia.


- Como assim?
- Depende da história a que nos referimos.
- História?
- Sim, do mito.
- Está a tornar-se interessante. Vocês, humanos, têm uma predilecção obecessiva pelas mitos dos heróis e dos deuses. Conta lá, acho que vou gostar.
- Eim?
- Se faz favor.
- Ora, prepara-te para ouvir. Vou contar-te a história de Mithra, que era considerado pelos antigos persas o mediador entre o deus e os homens. É uma história muito antigo, já referida pelo historiador grego Heródoto cerca de quinhentos anos antes de Cristo.
- Deixa-me aconchegar. Estes montes que fazes para compostar a erva são muito quentinhos.
- Então, não adormeças.
- Prometo que não, continua a falar do tal Mithra.
- Foi há muito tempo, na Pérsia ....
- De onde vêm aqueles manos tão peludos que até parecem tapetes?
- Os gatos persas? Sim. Mas se me estás sempre a interromper não há história.
- Ok! O tal Mithra era persa... Também era peludo?
- Cala-te e ouve. Segundo a lenda, Mithra, a luz e o poder que estão por detrás do sol, era considerado filho de deus e teria nascido de uma virgem. Era cultuado pelos crentes mithraistas como o deus da luz, da guerra, da justiça, dos contratos e da amizade. O culto era feito nas Mithreias, umas cavernas construídas artificialmente para representar a gruta onde, segundo a lenda teria nascido, a 25 de Dezembro.
- Quer dizer que acendes as luzinhas porque o sol nasceu a 25 de Dezembro numa gruta, de uma mãe que era virgem? Se a tua intenção era confundir-me, acedita que conseguiste.
- O tecto da gruta fazia lembrar o céu estrelado. À volta estavam dispostos vários bancos onde se realizavam as refeições rituais. Num nicho, no centro, podia-se ver em relevo o deus, vestido à maneira frígia, a sacrificar um touro.
- Um touro?
- Um touro, sim. Mithra teve uma vida complicada. Esteve exposto a tantos perigos na infância que teve que fugir para a Pérsia. Foi perseguido por um rei que o queria liquidar. Teve doze discípulos (os doze satélites). Foi levado aos céus por um anjo e, no regresso, trouxe consigo o livro das leis. Foi perseguido e crucificado, e ressuscitou ao terceiro dia, expiou os pecados da humanidade. Após ter capturado e sacrificado o touro divino, regressou ao céu.
- Ah, o touro divino!
- Os sacerdotes de Mithra, os Magos, faziam crer aos seus seguidores que vários prodígios tinham precedido e anunciado a vinda de Mithra. E que realizou vários milagres para confirmar a sua missão divina e demonstrar a verdade contida no seu livro.
- O único prodígio quando a Julieta está pranha é o tamanho da barriga.
- O culto rapidamente se expandiu pelas regiões vizinhas da Babilónia, da Caldeia e da Ásia Menor. Sendo uma religião só permitida a homens, tornou-se muito popular no exército, entre os soldados romanos. Por volta de 100 A.C. era venerado em Roma como "Deus sol invictus". As mitreias espalharam-se por todo o império romano. Ainda hoje, existem 50 dessas grutas em Roma.
- Uau! Imagino a quantidade de ratos...
- Teve tanta importância em Roma que Cómodo, um dos imperadores, iniciou-se no seu culto. Em 312 depois de Cristo, outro imperador, Constantino o Grande, converteu-se ao cristianismo, uma seita desviante do judaísmo ortodoxo, e o mitraísmo entrou em declínio perseguido e atacado ferozmente pelos cristãos.
- Mas mesmo assim vocês continuam a celebrar o aniversário do nascimento desse Mithra.
- Sim e não.
- Não percebo.
- Mas hás-de perceber.

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