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Foi diluviana. Fustigava o telhado e escorria em catadupa para o chão.
Ao abater-se, transportava consigo uma monótona sinfonia de cascata. Só uma temporária mudança no regime do vento introduzia a novidade de umas quantas notas dissonantes. Aconcheguei-me, alisando o edredão, e suspendi a respiração. Era escuro, o que me dava uma oportunidade para continuar a assistir um pouco mais àquela grandiosa abertura operática. Estirei o corpo, saboreando a presença quase dolorosa de cada músculo. Fechei os olhos para me concentrar intensamente. Transcorreu o tempo alternando-se a calmaria e o retomar da precipitação.
Veio o dia e a coisa melhorou. Levantei-me e abri as portadas de par em par. Lá fora, nos caminhos do bosque e nas planuras mondadas um extenso lençol de água em que se reflectia o azul do céu e o verde das árvores. A passarada tagarelava. O ar ostentava uma marca de lavado. A terra emitia o odor intenso da palha molhada.