Dies passionis lugubris et dolorosus

in O Tremontelo

10 de abril de 2007

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Uma semana em cheio, ali, em acometido corpo a corpo com a terra.

Aos poucos vão resvalando para fora da cabeça os objectos da consciência. E a própria consciência que de si mesma é consciência é como uma placenta que descolou. E o cérebro fica como uma casa desabitada.

Pelo contrário, os músculos retesam, retesam e distendem. A azáfama é múltipla e diversa: afagar a terra, penetrá-la, alimentá-la de composto, abandonar a semente e revolver de novo a terra; mas antes, a monda, a remoção das ervas daninhas, uma a uma com a gentileza sabedora dos dedos, ou a granel com a rudeza da pá ou do sacho; depois, é necessário cuidar da rega, estirar o tubo negro de 16 polegadas de modo a fazer chegar ao ponto desejado um aspersor ou um gotejador. É tudo trabalho de mãos, que calejam, ficam ásperas e são golpeadas.

Ao fim do dia o único pensamento que habita o corpo é uma imensa dor. O sono vem a meio de qualquer coisa e só se interrompe com a chegada dos primeiros raios de luz matinal.

O dia que vem depois soma-se ao anterior e cresce a beleza dos canteiros e a extensão da dor.

Passa a semana repetindo-se diariamente a via sacra. A dor instalada não é ainda a morte nem a descida aos infernos. Por isso vem o domingo da Páscoa e não há ressurreição e subida aos céus. Movimentos verticais são para os deuses que morrem e renascem. Quem pertence às planuras da condição humana, e mantém essa condição em exclusividade, contorce o corpo na horizontal, aconchegando as vértebras, os rins, os pulsos, os tornozelos.

Uma semana em cheio e segue-lhe o regresso. O regresso ao asfalto, ao betão, ao ar quente e pesado, à claustrofobia da casa de cidade, ao escritório, à rotina dos dias cinzentos, cinzentos como os fatos que se enverga, e asfixiantes, como são asfixiantes as gravatas com nó ao pescoço com que simbolizamos a escravidão.
 

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