Passou um mês e o tempo manteve-se confuso. Apesar de alguns dias quentes, as noites têm sido sempre frescas.
Quente tem estado o mundo lá fora, com os aspirantes a ditador e os ditadores confessos a radicalizar o autoritarismo, as corporações globais a enfiar no bolso os poderes estatais, a pandemia e o desemprego a grassarem descontroladamente, as relações pessoais, familiares, comunitárias, organizacionais e entre estados em guerra mais ou menos declarada, mais ou menos fria, as religiões a resvalarem para o terreno movediço da extrema-direita, com o ódio racial a perder máscaras e decoro e a manifestar o seu verdadeiro rosto que é o da escravatura reinventada pelos portugueses no alvor do mundo moderno, os desastres naturais e os provocados pela incúria, incompetência ou fanatismo, a desintegração da civilização de contenção, diálogo e prosperidade saída do final da segunda guerra, o desboroamento do império cowboy, o aparecimento de novas superpotências com regimes políticos de cariz dictatorial e a dissolução do eco-sistema planetário. Demasiado quente que tem estado o mundo lá fora!
A idade é uma coisa que não nos entra logo pela cabeça mas que começa a sentir-se pouco a pouco a entranhar-se pela pele. O cansaço deixa de ser a consequência do esforço ocasional e passa a ser o novo normal, como agora se diz. As tarefas acumulam-se, levam eternidades a concluir e a segunda lei leva a sua avante instaurando o caos e a desordem. Faz o que podes, diz-me a sageza da idade, faz só o que podes e procura descansar um bocadinho.
Alguma coisa se tem feito, desleixando as restantes. Tenho-me envolvido, com a ajuda querida da Graça, na limpeza da mata, sobretudo nas zonas de fronteira onde cresce a rosa silvestre e a silva. Apareceram novos e apetitosos caminhos. Nos velhos caminhos, a que chamei em tempos o Passeio Público, tenho-me animado a desenvolver um vistoso manto de musgo que os atapeta. Sabe bem caminhar de pé descalço.
(as fotografias serão publicadas em breve na próxima edição deste postal)